quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

QUERO DE VOLTA O MEU NATAL DE CRIANÇA

                
    Um pinheirinho natural decorado com algumas bolas coloridas, com sinos, figuras de anjos, fios prateados e dourados, e pedacinhos de algodão a imitar a neve. Eram assim as árvores de Natal há cerca de sessenta ou setenta anos. Não havia luzinhas a piscar nem presentes colocados debaixo da árvore embrulhados em bonitos papeis lustrosos decorados com vistosos laços coloridos, mas havia sim um presépio simples construído com musgo, uma cabana rudimentar, areia a traçar o caminho até ao Menino e uma prata branca de embrulhar chocolates a imitar um lago. Espalhados pelo musgo, pequenas e simples figuras em gesso colorido. O Menino deitado numas palhinhas, Nossa Senhora, S. José, os reis magos pastores e algumas ovelhas. Não podiam faltar a vaquinha e o burrinho, uma estrela e um anjo.

Nas ruas não haviam iluminações natalícias mas nas lojas cada comerciante reservava na sua montra um cantinho para montar o presépio, uns mais simples outros um pouco mais elaborados mas todos construídos com amor e devoção. Não posso deixar de recordar um desses presépios que ano após ano tinha fazia amontoar frente à montra grande número de pessoas, especialmente crianças que ficavam fascinados com a sua grandiosidade. Era na loja do Sr. Maurício no Largo da Estefânea. Um presépio que ocupava toda a montra, um presépio onde movimento, havia, água a correr, cascatas, moinhos e repuxos. Dentro da loja uma bancada comprida repleta de brinquedos que faziam o encanto da pequenada. Na véspera de Natal a pastelaria Ideal, ali em frente, tinha também ela uma mesa comprida coberta de deliciosos bolos-reis, os melhores de Sintra, fabricados na fábrica de queijadas do Gregório. Cada fornada que chegava esgotava-se rapidamente. O Sr. Álvaro Ribeiro e a esposa, proprietários da referida pastelaria não tinham nesse dia mãos a medir.

Não havia nesse tempo nem computadores, nem telemóveis e consequentemente não havia também emails e SMS,s. Havia sim bonitos cartões de boas festas decorados com motivos natalícios que se mandavam pelo correio para os amigos e familiares que moravam longe. Nas ruas as pessoas cumprimentavam-se cordialmente e os votos de festas felizes, de saúde e de paz saíam do coração e não eram uma mera formalidade proferida maquinalmente apenas da boca para fora sem serem efectivamente sentidos. Não havia luz nas ruas mas havia, isso sim, calor no coração das pessoas. Também não havia ainda aquele velho gordo de barbas brancas vestido de vermelho a deslocar-se num trenó puxado por renas e cheio de sacos com presentes para distribuir às crianças. Nessa altura era o Menino Jesus que descia pelas chaminés para colocar nos sapatinhos ali cuidadosamente deixados pela miudagem os presentes para cada um. Nem sempre, ou quase nunca, todos os pedidos eram satisfeitos na íntegra mas na manhã no dia de natal quando corríamos para a chaminé e víamos os presentes ficávamos imensamente felizes.

As músicas natalícias eram quase permanentemente tocadas nas várias estações de rádio e tudo acontecia com o Deus Menino deitado numa manjedoura no pensamento. de todos. Eram Natais vividos modestamente porque os recursos financeiros eram escassos mas eram Natais vividos intensamente, com alegria, solidariedade e amor. Nada disso acontece nos dias de hoje onde os centros comerciais substituíram o presépio e o velho gordo de barbas brancas substituiu o Menino Jesus. Fico triste que assim seja e quero o antigo Natal de volta ,aquele Natal em que:.

Na árvore há brilho, há luz e magia,
No presépio há uma mensagem de amor,
Nos corações há ternura e calor,
À mesa, a tristeza de uma cadeira vazia.
Tenho saudade dos Natais de outrora
Quando o Rei do Natal era o Menino Jesus,
O Menino que nasceu numa gruta fria e sem luz
E descansa sereno nos braços de Nossa Senhora.
Em que é o homem transformou o Natal?
Substituiu o Menino por um velho irreal, 
E virou as costas à gruta em Belém
Ignorou o presépio e a Família Sagrada 
A alma invadida por um monte de nada
E o Menino ficou só, nos braços da Mãe.

Guilherme Duarte

(Texto publicado no nº de janeiro de 2015 do jornal Cruz Alta)


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