quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

À CONVERSA COM O ANJO DA GUARDA


“Anjo da Guarda
Minha companhia
Guarda a minha alma
De noite e de dia.”

Foi assim que todos aprendemos, em miúdos, a rezar ao nosso Anjo da Guarda, mas  quantos de nós se lembrou alguma vez  de falar com ele, pôr-lhe os nossos problemas, dar-lhe conta das nossas dúvidas e das nossas inquietações, e tentar ouvir, ou perceber, as respostas que ele, certamente, não deixará de nos dar. Eu experimentei, e o resultado foi este:

- Anjo da Guarda, estás aí? Posso falar contigo?

- Claro que estou aqui. Eu estou sempre aqui e podes sempre falar comigo desde que queiras. Não sabias isso?

- Como havia eu de saber? Nunca te vi, nunca te ouvi, nem nunca dei pela tua existência..

- Sim eu sei, e é uma pena que nunca te tenhas apercebido da minha presença constante ao teu lado. Sabes que te acompanho desde que nasceste?.

- Já tinha ouvido dizer que todos nós tinhamos um  Anjo da Guarda, mas como nunca te vi, pensei que era apenas mais uma história, daquelas que se contam ás crianças para lhes estimular a imaginação. Sinceramente custa-me a acreditar que cada pessoa tenha um anjo da guarda só para si. Teria que haver uma legião interminável de anjos para guardar toda a gente.

- E há, claro que há,. Mais à frente vais perceber como.

- Mas porque é que nunca deste sinais da tua presença? Era muito mais fácil de acreditar, não era?

- Evidentemente que sim, mas também era demasiadamente fácil. Se eu estivesse visível a teu lado, te pegasse na mão e te conduzisse pelo caminho certo, não haveria nenhum mérito da tua parte, porque te limitavas a deixares-te conduzir, e Deus quer que sejas tu a escolher o teu caminho.

- Então se não me guias, se não me aconselhas o que é estás aqui a fazer?

-Não te guio, nem te aconselho? Quem foi que te disse uma coisa dessas?
- Acabaste de o dizer tu, não te lembras?
.
- Percebeste mal, eu só te disse que não te levava pela mão. Mas estou sempre a falar contigo, a aconselhar-te, a dizer-te o que deves ou não deves fazer, e por onde deves ir.

- Mas eu nunca te ouvi.

- Eu sei que não. Andas sempre tão atarefado com a tua vidinha que não tens tempo para parar um pouco,  concentrares-te, meditar e ouvir. Falas muito e escutas pouco, ou melhor, não escutas mesmo nada. Se estivesses atento e olhasses mais para dentro de ti, já há muito que me tinhas ouvido, e provavelmente não terias errado tanto..

- Está a dizer que eu só faço asneiras.?

- Eu falei em erros, mas tens feito asneiras sim senhor, e algumas delas bem grandes.

- Então porque deixaste que eu as fizesse? Não tinhas a obrigação de me impedir de as fazer?

- Não, não tinha. A minha tarefa é alertar-te quando estás a fazer uma escolha errada, e aconselhar-te sobre o caminho que deves seguir. Transmito-te aquilo que Deus gostaria que fizesses, mas a escolha será sempre tua.

-Então és o porta-voz de Deus
.
- Pode dizer-se que sim. O Senhor confiou-me a tarefa de te indicar o caminho que leva até Ele. Eu tento cumprir essa tarefa o melhor possível, mas tu não tens ajudado nada.

-Porquê? Sou assim tão pecador?

-O que é que achas? Estás contente contigo? Achas que não podias ser melhor? 

- Fazes tantas perguntas. Afinal quem tem motivo para perguntar sou eu.
.
- O que é que queres saber? 

- Como me falas tu? Telefonas-me ou sussuras-me ao ouvido?

- Não brinques porque estou a falar muito a sério. Para fazeres perguntas dessas mais vale ficares calado. Já ouviste falar em consciência?

-Claro que sim, porquê?

-Eu sou a tua consciência, falo-te através dela, mas tu a maior parte das vezes parece que desligas o botão, como quem desliga o rádio ou a televisão quando o programa não está a agradar.

-E?

-E depois fazes asneira, claro.

-Bem, a conversa está muito agradável mas estou perdido de sono e vou dormir. Falamos  de novo amanhã pode ser?

-A conversa não te está a agradar, isso sim, e estás a tentar correr comigo, mas desengana-te, pois não te verás livre de mim. Estarei sempre a teu lado, ou melhor, dentro de ti, mesmo que isso te desagrade, e já sabes que podes falar comigo sempre que quiseres.

-Quer dizer que não tens mais nada que fazer? Não tens mais pessoas para guardar?

-Dispenso a ironia, mas vou-te responder. Não, não tenho mais pessoas para guardar, tu ocupas-me o tempo todo, dia e noite, e olha que me dás imenso trabalho
.. 
-Dia e noite? Então não dormes?

-Não, não durmo.

-Nem quando eu estou a dormir?

-Quando estás a dormir eu estou a zelar pelo teu sono.

-Estás com medo que eu faça asneiras quando estou a dormir e tens medo que o teu patrão te despeça.

-Ouve lá, ó engraçadinho, eu não tenho patrão, tenho um Senhor que eu amo, e que me ama como te ama a ti também.

-Desculpa, não te quis ofender.

-Não ofendeste, mas não é próprio brincar com as coisas sagradas. Nunca ouviste dizer que graças a Deus, todas, graças com Deus, nenhumas?

-Tens razão, fui um pouco inconveniente.

-Foste de facto MUITO inconveniente.

-Já pedi desculpa.

-Tens que pedir desculpa é ao Senhor e não a mim. Eu só tenho que te aconselhar a respeitá-LO, e a pedir-lhe perdão quando erras.

-Quer dizer que te vou ter sempre ”à perna”?

-À perna, aos braços, ao corpo todo. Vais ter que me ouvir sempre que estejas prestes a fazer asneira.
-Bem, para terminar a conversa, afinal sempre existes?

-Pensei que já não tinhas dúvidas. Estás estás aqui à conversa comigo há um bom bocado, e ainda me fazes uma pergunta dessas?

-Pois é. E quando podemos conversar outra vez?

-Sempre que quiseres, já te disse, mas se não quiseres conversar basta que me escutes. Prometes?

- Prometo que vou tentar.

-Já é um começo. Agora dorme que eu fico aqui contigo, mas não ressones muito alto está bem?
.
- Apanhei-te. Afinal sempre dormes.

-Não, mas rezo. Boa noite, tem um sono tranquilo na paz de Deus.



Guilherme Duarte

(Texto publicado no jornal Cruz Alta)

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