Os indivíduos bem-falantes e
com muita prosápia deixam-me sempre de pé atrás. Não me estou, evidentemente, a
referir àquelas pessoas que têm o dom da palavra, que se exprimem com
facilidade, fazem questão de falar um português correcto e fluente e são
capazes de abordar e expor qualquer assunto de forma clara, objectiva e
atractiva. Essas pessoas são por norma excelentes conversadores com quem dá gosto
dialogar, pessoas que merecem a minha admiração e me chegam mesmo a provocar uma
pontinha de inveja por não ter sido dotado com o mesmo dom que eles. Essa
inveja no entanto não é uma inveja perversa as compreensível e desculpável porque
tem a var apenas com a minha incapacidade e nunca com a capacidade alheia. É
verdade que gostava de ser mais fluente no meu discurso da mesma forma que gostava
de ser capaz de pegar num lápis e com meia dúzia de traços fazer lindos
desenhos. De quem eu desconfio mesmo é dos “papagaios”, daqueles que utilizam a
os seus dotes oratórios para nos enganar. A história ensina-nos que a maioria
dos ladrões e vigaristas mais famosos eram pessoas encantadoras que se
insinuavam pela sua verve fácil e modos cavalheirescos para depois aplicar implacavelmente
os seus golpes. Costumo dizer, por graça, que quando me cruzo com algum desses “papagaios”
bem-falantes levo de imediato a mão ao bolso para ver se a carteira ainda lá
está.
Ao escrever estas linhas estou
a lembrar-me de uns quantos políticos que lançam mão da sua fluência oratória
para enganar e confundir o povo. Quando sobem a um palco ou a um palanque e lhe
põem um microfone à frente, os homens transfiguram-se, entusiasmam-se e desatam
a “berrar”, como se os gritos tornem mais credível a demagogia com que
pretendem enganar o pagode. O que me deixa estupefacto é que essa gritaria do
orador ainda consegue empolgar os assistentes que por sua vez respondem
gritando, também eles, slogans balofos e mais que estafados que não passam de
mero folclore.
Esses discursos inflamados e
mentirosos fazem-me recordar uma figura castiça que nos meus tempos de criança
costumava animar a feira de S. Pedro, com a sua voz rouca e levemente avinhada
a anunciar uma pomada milagrosa que curava todos os males do corpo. Desde a
ponta dos cabelos até aos dedos dos pés não havia maleita que a tal pomada não
curasse. O homem terminava sempre o seu discurso com a mesma tirada
humorística. Dizia ele que quem usasse essa pomada não precisaria nunca de
injecções para nada e que para ele, injecções, só do Cartaxo. No fundo,
continuava a falar de pomada. No final da sua exposição iniciava a venda das
caixas com a tal pomadinha milagrosa por entre as muitas pessoas que sempre o rodeavam.
Era o tradicional vendedor da banha da cobra que na época era frequente
encontrar nas feiras e romarias do nosso país.
Com o passar dos anos estas
figuras típicas foram desaparecendo mas a banha da cobra continua a existir.
Não acabou, apenas mudou de cara. Hoje já não se trata de uma simples e inofensiva
mezinha vendida nas feiras mas de discursos enganadores de vendedores de
ilusões. Os vendedores também não são já aqueles homens simples, muitos deles rudes
e quase analfabetos. Hoje são políticos, quase todos eles com formação
académica superior que têm a perfeita noção do logro em que querem fazer cair
os portugueses. A pergunta que se,impõe é a seguinte: que diferença
existe entre publicitar e tentar vender uma pomada alegadamente milagrosa que
cura todos os males e tentar angariar votos através de promessas demagógicas que
não há a menor intenção de cumprir? Eu não consigo ver qualquer diferença,
antes pelo contrário, vejo sim algumas semelhanças. Ambos são mentirosos e
ambos pretendem tirar lucro enganando as pessoas. Só que uns, os antigos se
limitavam a vender uma pomada inócua que se não fazia bem também não fazia mal
a ninguém. Os novos, esses são muito mais perigosos porque pretendem o poder a
qualquer custo e que uma vez conquistado são capazes de arruinar um povo e uma
nação. A situação actual deste país é a prova do que acabo de afirmar. Afinal
sempre consigo encontrar uma diferença entre estes dois tipos de charlatões Os
antigos tinham sentido de humor e faziam-nos rir, os novos só nos fazem sofrer
e chorar.
Guilherme Duarte
(Artigo publicado no nº de Outº 2014 do jornal Cruz Alta)
(Artigo publicado no nº de Outº 2014 do jornal Cruz Alta)
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