sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

SINTRA


A fresquidão dos bosques frondosos,
O murmúrio das águas a escorrer nas encostas,
O canto das fontes a embalar os amantes,
E o sussurro das folhas ao ritmo da aragem mansa.

O trinar dos pássaros,
Os aromas da terra
E a paleta das cores,

As neblinas perpétuas a sugerirem mistérios
E lendas de fadas e faunos correndo nos bosques.

Os penhascos gigantes a sustentar o castelo,
O palácio nascido do sonho de um rei,
E o convento talhado na rocha a falar-nos de Fé.

O romantismo, o romance, os passeios de mãos dadas,
E por fim, o beijo sonhado, num cenário de idílio.

E lá no alto, a lua, a coroar o monte.

Guilherme Duarte

UMA ESTRELA ESPECIAL


Neste cantinho escondido
Do parque fresco e frondoso
Que há muito tempo acolheu,
E escondeu o nosso amor
Dos olhares menos discretos,
Parece que o tempo parou.

O mesmo banco de pedra
Salpicado pelo musgo,
À sombra do castanheiro.
O canto da água da fonte
Continua a ser o mesmo
Que embalou os nossos beijos.
E as folhas do arvoredo
Afagadas pela brisa
Continuam sussurrando
Os mesmos sons embaladores.

As cameleiras são ainda
Aquelas que há meio século,
Floridas,
Enfeitaram o romance
Que nós dois aqui escrevemos.

Os fetos e as avencas,
O cantar da passarada
O aroma das flores,
São os mesmos doutros tempos.

Nada mudou.

Nada mudou? Mudou tudo!

Hoje estou aqui sentado,
Sozinho, velho, enrugado.
Sem ter aqui a meu lado
O teu corpo escultural,
A tua cara bonita,
O sorriso jovial
Com que acolhias, feliz,
As minhas juras de amor.

Já não tenho a oferecer-se-me
A tua boca sedenta.
Não sinto já os teus lábios
Doces, carnudos, sedosos
A colarem-se contra os meus,
Nem os teus seios generosos,
Rijos, firmes e empinados,
Parecendo ser desenhados
Perfeitamente à medida
Da palma da minha mão.

Neste cantinho pacato
Do encanto doutros tempos.
Só resta agora a saudade.

Se vim hoje até aqui,
Sentar-me no nosso banco,
Neste recanto do parque
À sombra do castanheiro,
Foi apenas para lembrar

O passado já longínquo.
Não me interessa se ouço passos,
Se há alguém a aproximar-se,
Se há mirones a espreitar.

Estou agora aqui sozinho,
Pensativo e melancólico
Apenas para recordar
Os tempos felizes de outrora.

Nada mudou por aqui,
Mas tudo mudou em mim.

Onde quer que tu te encontres
Será que ainda recordas
Este banquinho de pedra
À sombra do castanheiro,
Neste cantinho escondido
Do parque fresco e frondoso
Que acolheu o nosso amor
Já lá vão cinquenta anos?
Talvez tudo o que vivemos
Tenha já sido apagado
Do livro das tuas memórias
Pela voragem do tempo.

Talvez!

Mas eu hoje aqui sentado
Recordo com muita saudade
Cada beijo que trocámos,
E cada jura que fizemos
Neste banquinho de pedra.

Obrigado velho amigo
Por teres guardado segredo
E não teres dito a ninguém
Tudo aquilo que aqui viste.

Castanheiro, muito obrigado
Por manteres ainda guardado
No teu tronco centenário
Os corações que gravámos
Por cima dos nossos nomes.

Enquanto eu envelheci
E vivo olhando o passado,
Tu, velho banco,
Continuas a acolher,
E a esconder neste cantinho
Todos os dias, novos amantes,
Novos beijos,
Novas juras,
Novas promessas de amor
P´ra durar a vida inteira.
Daqui a cinquenta anos
Muitos daqueles que agora
Se acolhem aqui nos teus braços,
Voltarão tristes e sós
Apenas para recordar
Tudo aquilo que viveram
Neste recanto de idílio.

E tu,
Como sempre acolhedor,
Cá estarás para os receber
E alimentares-lhes a saudade
Como fazes hoje comigo.

Obrigado companheiro.
Voltarei a visitar-te
Para juntos recordarmos
Os tempos felizes de outrora.
E agora,
É já tempo de ir embora,
Que há ali um parzinho
À espera que fiques vago.

Trata-os bem meu bom amigo,
Como fizeste comigo
Há muitos anos atrás.

GD




UMA ESTRELA ESPECIAL


Entre milhões de estrelas cintilantes
Que bordam de luz e prata o firmamento
Há uma em cujo brilho mais me atento
Por me lembrar um sorriso que vi antes.

É um pontinho luminoso, tão distante,
Minúsculo, mas com um brilho tão intenso
Que rasga a escuridão do céu imenso
Para me  envolver com a sua luz brilhante.

Essa estrela, essa luz e essa paz,
E o sorriso sereno que me traz
São o reacender de um farol que se apagou.

Eu sei mãe que lá no céu, tu não me esqueces,
E , junto a Deus, são agora as tuas preces

Os beijos que a tua ausência me roubou.


Guilherme Duarte

FOLHAS CAÍDAS



Estas folhas espalhadas
Pelo chão do meu jardim
São os meus sonhos falhados,
As perspectivas goradas,
As metas nunca alcançadas
E todos aqueles sonhos
Que em tempos acalentei
Mas nunca realizei,
E que terminaram assim.

Daquela árvore frondosa
Que deu sombra à minha esperança,
As folhas foram caindo
Uma a uma sem parar.
E em cada folha que cai
Há um sonho que se vai,
E uma paixão que se extingue.
Em cada folha que amarelece
Há uma vida que enfraquece
E uma força que se esvai.
E quando essa folha cai
É uma página que se rasga
Do livro da minha história,
E no fim fica a memória,
E tem um nome: saudade.

Aquela árvore frondosa
Que já foi verde e viçosa,
Hoje de folhas despida,
Já não dá sombra a ninguém.
Está agora feia e nua
E está caduca, também,
A árvore da minha vida.

Guilherme Duarte


QUANDO O FAROL SE APAGOU


 Escureceu subitamente,
E eu fiquei só.
Estou com medo, mãe,
Com muito medo.
Tu sabes como a escuridão me assusta
E o receio que tenho de estar sózinho.
Abraça-me, mãe.
Aperta-me nos teus braços
Afaga-me os cabelos,
Beija-me,
E canta-me uma canção.
Era assim que afastavas o meus sustos de criança
Enquanto o sono não chegava.
 Aconchegavas-me a roupa da cama.
Depois um beijo e um sussurro:
“Boa noite, meu amor.
Dorme um soninho tranquilo.”

Lembras-te?
Claro que lembras.
Como podias esquecer?

Ainda há pouco me contavas o teu dia,
Enquanto o sol descia lentamente no horizonte
A dourar o entardecer.
Disseste que não estavas bem.


E de repente, ficou escuro,
Muito escuro.
Depois, o silêncio.

Fiquei só e tive medo.

Mãe
Não vás.
Não me deixes aqui sozinho
Com a escuridão à minha volta.
A  luz do farol que orientou a minha vida.
Apagou-se subitamente
E eu sinto-me perdido.
Chamo-te, mas não respondes.
Estás serena, mas imóvel.
Não me falas, nem me ouves.
Adormeceste.

Aconcheguei-te a roupa
Como sempre me fizeste.
Abracei-te, mas não senti o aperto dos teus braços.
Beijei-te, mas, pela primeira vez, não retribuíste.
Os teus dedos não procuraram os meus cabelos como dantes.
Quis cantar-te uma canção, mas a voz atraiçoou-me.
Já dormias.
Serenamente.
Com a mesma serenidade que sempre te acompanhou
Ao longo da tua vida. 


Entre lágrimas sussurrei:
Boa noite querida mãe,
Dorme um soninho descansado.

Mãe,
Estou assustado e tenho medo.
Sem ti, a criança que me mantive até hoje,
Deixou de fazer sentido. Partiu contigo.
E eu não sei viver sem ela
.

Guilherme Duarte

 (10 de Setembro de 2009)



O LUGAR DOS POETAS

São as névoas perpétuas
Que cobrem a serra
Que o poeta procura
Quando a poesia se ausenta
E o poema não nasce.

Quando a musa se afasta,
E  já poeta não é,
É à magia da serra
Que o poeta recorre .

É entre as brumas que envolvem o  monte
Que as musas se escondem.
O poeta sabe onde estão e vai procurá-las.

No silêncio do bosque o poeta sonha.
Vê, musas, vê deusas, vê fadas
Que  cantam e dançam,
Cobertas apenas por diáfonos véus
Que lhes cobrem o corpo sem tapar a nudez.
O poeta, aproxima-se e dança com elas.

É então que a poesia regressa e o poema flui.

Tinha razão o poeta em confiar na magia da serra.
É ali, entre musas, deusas e fadas
Que é o lugar dos poetas.


Guilherme Duarte

APSENTAÇÃO DE LIVRO DA ZÉLIA CHAMUSCA